domingo, 3 de janeiro de 2010

Brasil já tem dois trabalhadores para cada idoso ou criança, condição que só acontece uma vez na história

Por Leandro Modé

País alcança situação demográfica ideal para crescimento econômico

Um dos fatores estruturais que explicam o otimismo dos investidores internacionais com o Brasil atende por uma expressão ainda pouco conhecida que, à primeira vista, soa quase como charada de jogo de tabuleiro: bônus demográfico.

Em síntese, trata-se de um período no qual a população economicamente ativa supera largamente a de dependentes, composta por idosos e crianças. Segundo especialistas, é uma condição propícia ao desenvolvimento de uma economia.

"O Brasil do início do século 21 passa por uma combinação entre uma estrutura demográfica e uma estrutura social que realçam uma proporção da população em idade em que o retorno social e econômico das pessoas é maior", explica o professor da Escola Nacional de Ciências Estatísticas (Ence) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), José Eustáquio Diniz Alves.

Nesse contexto, diz o professor, "a população não é um entrave, mas sim um fator impulsionador da "decolagem" do desenvolvimento".

O País chegou ao bônus demográfico porque a taxa de natalidade caiu fortemente a partir do fim dos anos 70, em uma velocidade maior do que diminuiu a taxa de mortalidade. Ou seja, com o passar dos anos, a soma de idosos e crianças se tornou bem menor do que o total de pessoas na ativa.

Dados compilados pela professora do instituto Insper (ex-Ibmec São Paulo) Regina Madalozzo, a pedido do Estado, mostram que, em 1950, as crianças e os idosos, juntos, representavam 44,6% da população brasileira. Os adultos (pessoas entre 15 e 60 anos) eram 55,4%. Em 2010, a proporção é de 32,4% e 67,6%, respectivamente. O auge do bônus demográfico deve ocorrer por volta de 2020, quando a proporção de adultos deve alcançar 70,4% do total.

Outra forma de entender o assunto é olhar a proporção entre pessoas ativas e inativas. Segundo Alves, na década de 70, cada pessoa na ativa era responsável por uma inativa. Hoje, essa relação é de uma para 0,50.

CRESCIMENTO

Dois exemplos citados pelo especialista dão a dimensão da importância dessa condição para o crescimento econômico. Segundo ele, a reconstrução da Europa e do Japão, no pós-guerra, foi facilitada porque ambas as regiões passavam por um bônus demográfico.

O professor do Ence também faz um alerta. "Em qualquer país, só se pode usar uma vez o bônus demográfico. No entanto, essa janela de oportunidade de nada adiantará para a solução dos problemas sociais se o Brasil não for capaz de absorver a mão de obra disponível e incentivar as potencialidades da alta proporção de pessoas capazes de contribuir para a elevação da produção e da produtividade."

EDUCAÇÃO

Como diz o professor da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe) da Universidade de São Paulo (USP) Marcos Rangel, "não há um receituário médico para aproveitar o bônus demográfico para crescer".

Ainda assim, os especialistas avaliam que é vital o país que passa por um bônus demográfico ter políticas de emprego, educação e saúde. Rangel observa que esse é um período mais propício para, por exemplo, discutir a qualidade da escola no País.

"Imagine que os recursos públicos que antes iam para a construção de escolas agora podem ir para insumos que façam com que a aprendizagem realmente aconteça dentro daquelas construções", pondera.

BOMBA RELÓGIO

Os especialistas também chamam a atenção para o momento pós bônus demográfico, especialmente no que se refere à sustentabilidade do sistema brasileiro de previdência.

"A bonança não pode ser para sempre. Os jovens de hoje vão virar a massa de trabalhadores que vai ter de conviver com uma grande massa de idosos", diz Rangel. "Se os cofres públicos precisam das contribuições correntes para custear os benefícios, o bônus também é uma bomba relógio."

A professora Regina vai na mesma linha. "Falamos da necessidade de reforma do sistema previdenciário há 15 anos. Os governos reconhecem o problema, mas ninguém faz", pondera.

"Por ora, não reformar é um custo político. Mas, em breve, passará também a ter um custo econômico", ressalta a professora do instituto Insper. "Imagine o que aconteceria se pessoas que já estão velhas enfrentassem um calote."

Fonte: Estado.com.br - 03/01/2010