quarta-feira, 16 de setembro de 2009

Vício em Internet Entrevista – Prof. Dr. Cristiano Nabuco de Abreu


Entrevista concedida em 2008 ao site Baguete

Conferir os e-mails enquanto está na cama, pelo smartphone. Procurar um endereço através de mapas online ao invés de perguntar ao colega ao lado. Abdicar do horário de almoço para conferir recados em sites de relacionamento. Tornar-se escravo do leitor de RSS. Atualizar o webmail a cada três minutos para ver se há novas mensagens. Manter-se permanentemente conectado é um vício?

Segundo o psicólogo e professor Cristiano Nabuco de Abreu, coordenador do Ambulatório Integrado dos Transtornos do Impulso do Hospital de Clínicas de São Paulo, afirma que o vício não apenas cresce assustadoramente como já é problema de saúde pública e atinge não só os usuários adultos, mas crianças e adolescentes. (e atualmente idosos)*

O que caracteriza o viciado em Internet? É um vício no meio em si ou em assuntos como pornografia e jogos, que poderiam ser explorados mesmo fora da Web?

Cristiano Nabuco de Abreu: É uma pergunta em aberto. O vício em internet é psiquiátrico ou seria um abstrato de problemas anteriores? Quando os estudos foram iniciados, em 1996, o primeiro critério para definir o vício foi o mesmo que define se alguém é viciado em álcool ou drogas. Kimberly Young, a primeira pesquisadora do assunto, montou este conceito mas o abandonou depois de dois anos pois percebeu que a dependência pela Internet não é semelhante ao vício por álcool e drogas. Hoje sabemos que a dependência não é uma adição e sim um transtorno de controle dos impulsos. O vício em Internet está na mesma esteira das adições como cleptomania, compulsões, etc.

É difícil de resistir ao impulso e o uso da Web se torna patológico que acaba em perda progressiva de controle e aumento do desconforto emocional.

Como foi o estudo realizado pela tua equipe? Qual o panorama do vício no Brasil?

Cristiano Nabuco de Abreu: Há dois anos, em um congresso mundial de psicoterapia na Suécia, assisti a uma pesquisadora americana que falava do vício e lembrei de alguns pacientes que eu tinha no Brasil, que já haviam comentado sobre isto e eu não tinha dado a atenção devida. Voltei ao país disposto a pesquisar a possível manifestação da dependência tecnológica na realidade brasileira.

Nossa equipe montou um bloco de atendimento. Em seguida já eram dois blocos. Mas não foi uma pesquisa e sim um atendimento ambulatorial. O atendimento consistia de terapia cognitiva cuja função principal é devolver aos pacientes a perspectiva do controle e da auto-regulação do uso da Web.

De uma maneira geral, nossas impressões são de que cada vez mais pessoas buscam ajuda para o tratamento das dependências tecnológicas (Internet e vídeo game), devido a vários aspectos psicológicos (baixa auto-estima, depressão, fobias sociais, dentre tantos outros) e sociais (solidão, isolamento e o estilo de vida nos grandes centros urbanos). Tal panorama se dá em função do crescimento acelerado do acesso a Internet a população em geral e devido ao Brasil liderar sistematicamente a lista dos países que apresentam as maiores taxas de conexão doméstica no mundo.

Ao contrário do que pensávamos e ao contrário do que diziam os estudos norte-americanos, aqui o vício não era só de adolescentes. Tínhamos pacientes a partir de 09 anos, de todas as faixas etárias.

Quais os principais elementos viciantes, no Brasil?

Cristiano Nabuco de Abreu: Aqui, sem dúvida, é MSN, Orkut, e-mail... O próprio vício em informação, comum do jornalista... A diferença entre o viciado e o usuário comum, é que o viciado tem o ímpeto constante de usar o aplicativo, não consegue se desligar quando sai da frente do computador. Em resumo, e-mails, chats, jogos on-line, compras, sites com conteúdo especifico, eróticos, etc.

Os profissionais de TI devem ser mais sucetíveis, não? Mas no caso destes profissionais não seria algo positivo passar um tempo maior conectado?

Cristiano Nabuco de Abreu: O número de horas não pode ser levado em conta como o único critério para diagnosticar o vício. O principal critério é o uso abusivo, a forma e o propósito de uso. Os chamados heavy users ou usuários graves de internet, podem vir a sofrer de dependência de internet. São pessoas inteligentes e mentalmente muito ágeis, passam o dia todo conectadas, sofrem de depressão e/ou ansiedade, preferem as interações virtuais as reais, etc. Estas pessoas devem tomar cuidado, pois podem tornar-se viciadas em Internet.

Existem listas de discussão e sites de apoio a viciados em Internet. Não é um paradoxo?

Cristiano Nabuco de Abreu: É um paradoxo. Mesmo em nosso consultório, procuramos prestar consultoria através de e-mail pois é preferível fazer algo a não fazer nada. E, hoje, a socialização passa pela Internet. Cada vez mais pessoas estão online e por um número cada vez maior de horas. O Brasil é onde as pessoas passam mais tempo conectadas. Na minha opinião, este quadro vai se agravar e se tornará um problema grave. Podemos dizer que já é um problema de saúde pública.

Como o leitor pode identificar se está ou não viciado em Internet? É preciso procurar ajuda médica para diagnosticar?

Cristiano Nabuco de Abreu: Em nosso site http://www.dependenciadeinternet.com.br/article/archive/7/ é possível fazer um teste para saber o grau de dependência. Mas, para identificar rapidamente, ele deve apresentar, pelo menos, 5 dos 8 critérios abaixo descritos:

Preocupação excessiva com a Internet

Necessidade de aumentar o tempo conectado para ter a mesma satisfação

Exibe esforços repetidos para diminuir o tempo de uso da Internet

Irritabilidade e/ou depressão

Quando o uso da Internet é restringido, apresenta labilidade emocional (Internet como forma de regulação emocional)

Permanece mais conectado do que o programado

Trabalho e as relações sociais ficam em risco pelo uso excessivo

Mente aos outros a respeito da quantidade de horas conectadas

Qual o tratamento para o viciado? Já é possível tratar deste transtorno no país?

Cristiano Nabuco de Abreu: Lançamos há pouco na USP e temos nosso consultório, mas infelizmente, não há tratamento especializado fora de São Paulo.

Nosso programa consiste de atendimento ambulatorial que inclui tratamento semanal de psicoterapia de grupo por 18 semanas, mais tratamento psiquiátrico e psicoterapia individual, quando necessário.

Mesmo que não haja especialização no assunto nos outros estados, é necessário procurar ajuda imediatamente, de um psicólogo e de um psiquiatra, que vão avaliar o caso, medicar se necessário, pois geralmente a pessoa sofre de depressão, e tratar com psicoterapia.

Quais as consequências do vício?

Cristiano Nabuco de Abreu: Isolamento social, privação de sono, uso da Internet para escapar de problemas na vida real, perda de interessem em atividades sociais, produtividade reduzida no trabalho, e até problemas físicos, com dores de cabeça, problemas de visão, colunas, etc.

*A dependência da internet, cresceu mais na população de baixa renda e no grupo de idosos, veja aqui: Revista Época


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