Jessica Donath
Em Haifa (Israel)
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Muitos sobreviventes do Holocausto que moram em Israel passam o que deveriam ser seus anos dourados em estado de pobreza. Mas um lar de idosos em Haifa, ajuda àqueles em maior necessidade. O projeto é financiado por cristãos, com a assistência de voluntários alemães
Muitos sobreviventes do Holocausto que moram em Israel passam o que deveriam ser seus anos dourados em estado de pobreza. Um lar de idosos em Haifa, aberto em 2010, está estendendo a mão para um dos grupos em maior necessidade do país. O projeto está sendo em grande parte financiado por cristãos, com a assistência de voluntários alemães.
Sarah Samir fala suavemente e se inclina para frente para ouvir melhor. Apesar de não ter usado o alemão em mais de 50 anos, as palavras fluem com facilidade. Após a guerra, a sobrevivente do Holocausto não tinha vontade de falar alemão –sua própria língua materna e de Hitler- nunca mais, diz ela. Samir, 83, chegou ao que hoje é Israel em 1945, aos 17 anos. Ela nasceu perto da cidade de Breslau (que então era alemã, e hoje é Wroclaw), mas fugiu para a Bélgica com a avó em 1939. Seu pai morreu em um campo de concentração no Sul da França e a mãe e o irmão morreram em Auschwitz.
Sarah Samir fala suavemente e se inclina para frente para ouvir melhor. Apesar de não ter usado o alemão em mais de 50 anos, as palavras fluem com facilidade. Após a guerra, a sobrevivente do Holocausto não tinha vontade de falar alemão –sua própria língua materna e de Hitler- nunca mais, diz ela. Samir, 83, chegou ao que hoje é Israel em 1945, aos 17 anos. Ela nasceu perto da cidade de Breslau (que então era alemã, e hoje é Wroclaw), mas fugiu para a Bélgica com a avó em 1939. Seu pai morreu em um campo de concentração no Sul da França e a mãe e o irmão morreram em Auschwitz.
Uma família cristã na Bélgica a salvou dos nazistas, deixando que se escondesse em sua casa. Após a guerra, a família se ofereceu a adotá-la, mas ela não quis.
“Queria continuar judia”, lembra-se.
Ela emigrou para Israel, onde se casou e criou seis filhos de acordo com as tradições judias. Seu marido desde então faleceu e seus filhos estão crescidos e têm famílias próprias, mas Samir ainda pratica sua religião em sua terra adotada. Todas as sextas-feiras, ela se reúne com 20 amigos e familiares para celebrar o sabá na Helping Hands, a primeira e única residência de Israel para idosos sobreviventes do Holocausto, localizada na cidade de Haifa, no Norte.
A situação de muitos desses sobreviventes é lamentável. Um relatório de 2008 da Comissão Nacional de Pesquisa sobre a assistência dada a sobreviventes do Holocausto confirmou que cerca de um terço dos quase 210 mil sobreviventes do Holocausto em Israel vivem abaixo da linha da pobreza.
Moradia gratuita
Shimon Sabag é fundador do lar e diretor da organização de caridade Yad Ezer L’Haver - que, em hebraico, quer dizer “uma mão que ajuda um amigo”. Ele começou a organizar refeições gratuitas depois de sofrer um acidente de carro, há cerca de 20 anos, que o fez repensar seus objetivos na vida. Ele diz que reconheceu a necessidade de montar um lar de idosos quando viu crescer o número de sobreviventes do Holocausto que visitavam as cozinhas que distribuíam sopa.
Como primeiro passo na ajuda aos sobreviventes, ele comprou um prédio em uma rua lateral tranquila no bairro de Hadar, em Haifa, e forneceu um lar para uma dúzia deles. “Aquele que ajuda uma pessoa ajuda o mundo todo”, diz Saba, referindo-se a um ensinamento do Talmud.
Sabag diz que foi a mãe dele quem o inspirou a criar o lar. A única da família a sobreviver ao Holocausto, ela sempre abria a casa da família em Kiryat Ata, subúrbio de Haifa, a outros. “Minha mãe morava em uma casa grande e recebia as pessoas que precisavam de ajuda”, diz ele.
E é o tipo de ajuda que cada vez mais sobreviventes do Holocausto precisam. Um relatório de 2008 sobre a assistência a sobreviventes do Holocausto, que é crítico do governo israelense, revela por que as iniciativas privadas como a de Sabag são tão importantes. Segundo o relatório, o governo “pegou fundos da Conferência de Queixas Materiais de Judeus contra a Alemanha, de propriedades judias roubadas durante o Holocausto para as quais não havia sucessores e, em vez de empenhá-los apenas para ajudar sobreviventes do Holocausto, usou-os para financiar instituições nacionais que atendem o público em geral.”
Em resposta ao chamado Relatório Dorner, que tem o nome da juíza aposentada da Suprema Corte Dália Dorner, que chefiou a comissão, o então primeiro-ministro, Ehud Olmert, e o ministro das finanças, Ronnie Bar-On, concordaram em aumentar o estipêndio mensal de 40 mil sobreviventes do Holocausto em Israel.
Muitos sobreviventes ainda dependem de pagamentos e pensões da Alemanha. Contudo, os imigrantes que vieram para Israel antes do acordo de reparação bilateral com a Alemanha não têm acesso ao mesmo tipo de assistência. O governo seguiu a recomendação da comissão e aumentou seus pagamentos para 75% da pensão média que o governo alemão dá aos sobreviventes.
O custo de implementar as recomendações do relatório foi de cerca de 380 milhões de shekels israelenses (ou cerca de R$ 180 milhões), de acordo com um porta-voz do Ministério do Interior de Israel. “A Autoridade dos Direitos de Sobreviventes do Holocausto, do Ministério das Finanças, trabalha para aumentar e ampliar a assistência aos sobreviventes do Holocausto”, disse o Ministro do Interior em uma declaração.
Anos dourados
Ainda assim, os sobreviventes passam o que deveriam ser seus anos dourados na pobreza. Os que vêm da antiga União Soviética são os mais atingidos.
A maior parte veio a Israel mais tarde, quando já estavam aposentados e falavam pouco ou nenhum hebraico. Muitos nunca trabalharam em Israel e, portanto, nunca pagaram previdência. As negociações em 2009 entre a Conferência de Queixas e a Alemanha disponibilizaram 33 milhões de euros para tais sobreviventes em 36 países, inclusive Israel e Estados Unidos.
“Ouvimos tantas histórias das pessoas tendo que decidir se pagariam a conta de luz ou comprariam remédios”, diz Yudit Setz, vice-diretora do departamento de ajuda da Embaixada Internacional Cristã em Jerusalém (Icej), uma organização sionista cristã. O Icej foi fundado em 1980 após uma decisão controversa do parlamento israelense, o Knesset. Na época, Israel declarou Jerusalém como sua capital eterna e indivisível, e, como forma de protesto, vários países transferiram suas embaixadas para Tel Aviv. Em resposta, um grupo de cristãos decidiu estabelecer sua própria embaixada para “ficar com o povo judeu”.
Sionistas cristãos veem o estabelecimento de Israel como um cumprimento da profecia bíblica e acham que, como cristãos, têm a obrigação de apoiar o Estado de Israel.
A filial alemã do Icej ofereceu 60% dos fundos para o lar dos sobreviventes em Haifa. “Nosso diretor alemão, que também é diretor internacional, pediu-me que encontrasse um projeto para os sobreviventes do Holocausto”, explica Setz. Os 40% restantes do financiamento para o lar vieram de doadores privados e Yad Ezer L’Haver fundos e o governo israelense também dá subsídios.
Além da filial alemã do Icej, outros grupos cristãos evangélicos alemães também estão ajudando os sobreviventes do Holocausto. O policial aposentado Siegfried Wiegland e sua mulher, Renate, recentemente visitaram o lar como representantes dos Amigos de Israel na Saxônia, do Estado alemão do Leste. O grupo cristão envia trabalhadores regularmente para ajudar a reformar os novos prédios comprados para os sobreviventes.
Os membros disseram que sua motivação vem diretamente de Isaiah 40:1, na Bíblia: “Conforte, conforte meu povo”. “O fato de nós, como segunda geração após os perpetradores do Holocausto, termos permissão de confortar as vítimas é uma bênção”, diz Wiegand. Os alemães pintam as paredes e colocam ladrilhos por duas semanas, dormindo na obra, para ajudar Sabag a economizar.
“Sem eles, não haveria Israel”
Alguns dos moradores do lar de idosos não acham que o governo de Israel deveria ser criticado por não dar maior assistência aos sobreviventes do Holocausto, mesmo que eles, quando jovens, tenham ajudado a construir o Estado de Israel após sua fundação em 1948.
“Israel é um país muito pobre”, diz Haia Kaspi, 77. “O governo não podia nos dar o que precisávamos –ele nos dava um pouco, mas não dava para dar mais”. A sobrevivente romena imigrou para Israel imediatamente após a declaração de independência.
No final da guerra, Kaspi tinha sete anos e tinha perdido a família em campos de trabalho forçado, trens de deportação hiperlotados e marchas da morte.
Ela passou dois anos na Holanda, onde aprendeu hebraico com judeus americanos em preparação para sua nova vida em Israel.
Kaspi, que se mudou para a residência em Haifa após seus filhos terem saído de casa, diz que ser parte de uma comunidade de sobreviventes a fez sentir-se melhor. Aposentada do serviço de professora de creche, ela valoriza as amizades e o fato que compartilharem uma língua em comum, o hebraico. Ela diz que Sabag, filho de sobrevivente, fornece tudo o que os moradores pedem.
Difícil relacionamento
Por muitos anos, Israel teve um relacionamento ambíguo com os sobreviventes do Holocausto. Especialistas no campo de atendimento a sobreviventes dizem que o julgamento de Adolf Eichmann em 1961 –o líder nazista que foi indiciado, condenado e executado em Israel por seu papel na orquestração do Holocausto- foi o ponto de virada no relacionamento entre os que tinham sobrevivido aos campos de morte na Europa e os que vieram antes ou após a Segunda Guerra Mundial e não sofreram diretamente.
O julgamento de Eichmann aumentou a consciência do que os sobreviventes haviam passado, explica Yudit Setz, do Icej. “Antes, as pessoas diziam para eles ‘acabou –agora vocês são israelenses’”.
Havia também um relacionamento complicado entre os sobreviventes do Holocausto e as gerações de israelenses nascidas após a Segunda Guerra.
“Nos primeiros anos após o Holocausto, o fato de os judeus serem dizimados sem luta violenta foi motivo de vergonha tanto para os sobreviventes quanto para a coletividade”, explica Dan Lainer -Vos, professor assistente de sociologia e estudos judaicos na Universidade da Califórnia em Los Angeles.
“Devemos muito a essas pessoas”
Sarah Samir mudou-se para o abrigo em 2010. Após a morte do marido, os filhos começaram a se preocupar com quem ia cuidar da mãe. Michal, 40, a filha mais jovem de Samir, encontrou-se com Yad Ezer L’Haver no caminho do supermercado certo dia. “Quando ouvi falar disso aqui, achei que era um presente, um sonho tornado realidade”, diz ela, com o cabelo louro preso em uma longa trança.
Michal Samir mal consegue disfarçar seu enorme desapontamento com o governo israelense, que ela acredita que deveria fazer mais para ajudar os sobreviventes. “Acho que contam com o fato de eles irem morrendo e se tornando cada vez menos numerosos, então o problema se resolve sozinho”, diz ela. “Mas devemos tanto a essas pessoas”, acrescenta. “Sem elas, não haveria o Estado de Israel.”
Tradução: Deborah Weinberg