quarta-feira, 3 de fevereiro de 2010

A cura ao alcançe dos pés.

Diz o velho ditado que prevenir é melhor que remediar. Veja como a corrida pode fazer os dois quando o assunto é o coração


Quem vê o corredor Gilberto Silva, 52, em seu treino diário nos parques de Curitiba não imagina o quanto seu coração penou antes que ele implementasse essa rotina e conquistasse, segundo suas contas, a impressionante marca de mais de 400 provas, de 10 km a ultramaratonas, de 1999 até hoje.

Em 1998, aos 44 anos, Gilberto fumava entre 35 e 40 cigarros por dia, alimentava-se mal e trabalhava 14 horas diárias. Naquele ano, a fatura do seu estilo de vida veio na forma de um infarto do miocárdio.

“De certa forma, foi a melhor coisa que me aconteceu. Passado o susto, resolvi mudar de vida. Adquiri hábitos alimentares saudáveis e passei a praticar uma atividade física regularmente. Nasci de novo”, conta, sem medo de repetir o velho clichê.

Após a alta médica e um período de reabilitação no Hospital do Coração de Curitiba, Gilberto começou a caminhar. Daí para a corrida foi uma passada. Três meses depois, já em 1999, ele participou de sua primeira maratona em Curitiba, acompanhado de perto por seu cardiologista, que o seguia de bicicleta durante o percurso da prova.

Não parou mais. A cada oito meses, o empresário faz uma bateria de testes para que o médico possa liberá-lo para a atividade física. Ele treina todos os dias e seu melhor tempo até agora foi de 4h12min em uma maratona.

Cura e prevenção
A corrida é grande aliada no combate às patologias do coração principalmente por se tratar de uma atividade aeróbica, ou seja, que utiliza como fonte primária de obtenção de energia o oxigênio.

O indivíduo produz mais energia quando usa oxigênio para queimar uma molécula de açúcar ou gordura (substratos). “Quando fazemos exercício na presença de oxigênio, a queima dos substratos ocorre regularmente, a produção de energia é otimizada e a circulação dos nutrientes flui para o corpo todo. Ou seja, o sistema circulatório funciona melhor em sua totalidade”, diz o cardiologista da Unifesp e do laboratório Fleury, Antônio Sérgio Tebexreni.

Na queima aeróbica, os substratos se transformam em ácido pirúvico, que quando recebe oxigênio, libera ATP (fonte energética). Se não há oxigênio, não há queima dos substratos e, consequentemente, o corpo precisa utilizar outros mecanismos para obter energia. “Na falta do comburente, haverá maior produção de ácido lático, que também libera energia, mas em menor quantidade. Além disso, o ph interno - que é neutro (7), fica mais ácido, o que comprometerá a circulação do oxigênio e nutrientes no sangue e a absorção destes pelos músculos e tecido. Ou seja, o funcionamento do organismo como um todo é comprometido”, completa Tebexreni.

Conclusão: mais oxigênio circulando é sinal de produção e consumo de energia em sintonia, fluxo sanguíneo regularizado, coração saudável e, ao final, bem-estar físico.

Atividade física e saúde
A prática regular de exercícios ajuda a manter sob controle os fatores de risco das cardiopatias. “Todo indivíduo apresenta fatores de risco, e estes podem ser modificáveis ou não. Por exemplo, sexo, idade e carga genética não podem ser modificados. Já pressão arterial, fumo, diabetes, alimentação, dislipidemias (colesterol, etc), e sedentarismo podem ser modificados com condutas saudáveis”, explica Tebexreni.

”O sedentarismo é o fator de risco que pode ser mais facilmente trabalhado e ajuda a evitar que cardiopatias apareçam e dificultem o bom funcionamento do organismo”, diz Tebexreni.

Atividades físicas, como a corrida, estão no topo da lista de hábitos saudáveis que podem facilmente ser incorporados à rotina diária. “A corrida ajuda a prevenir cardiopatias, pois emagrece, melhora a condição física, oferta mais oxigênio aos músculos e para todo o corpo, melhora a circulação sanguínea, provoca o aumento das mitocôndrias (“usinas” de processamento de energia), aumenta o número de vasos sanguíneos para ocorrer mais troca de sangue e substâncias, libera hormônios para a circulação, aumenta o HDL (colesterol bom) e diminui o LDL (ruim) e ainda provoca grande bem-estar”, afirma Tebexreni.

Correr é bom também para remediar as doenças do coração.“A caminhada leve ou acelerada, dependendo do estado clínico do paciente, e até os trotes se feitos corretamente, são uma ótima forma de tratamento aos males do coração”, acrescenta Tales de Carvalho, cardiologista especializado em medicina do esporte e professor da Faculdade de Educação Física da Universidade Estadual de Santa Catarina.

O paulista José Ben Hur Gonçalves, 44, também se beneficiou com a atividade. Pesando 140 kg e com fibrilação atrial (ritmo anormal e irregular dos batimentos cardíacos), foi orientado por um cardiologista a adotar a corrida para controlar os fatores de risco. Em um ano conseguiu suspender os remédios e emagrecer 40kg. “Cuidar da saúde foi minha prioridade. Depois de controlar a pressão, o colesterol e perder peso, passei a correr por prazer e já participei de sete maratonas”, conta Ben Hur.

Coração em exercício
Quando o indivíduo passa a se exercitar, é preciso que ocorram ajustes cardiovasculares para que os músculos em exercício recebam um aporte sanguíneo adequado ao esforço realizado. Para que esses ajustes aconteçam, deve haver uma adaptação do débito cardíaco e da distribuição do fluxo sanguíneo.

Débito cardíaco é o produto da frequência cardíaca (número de batimentos em 1 minuto) pelo volume de ejeção sistólica (volume de sangue que cabe dentro do coração – ventrículo esquerdo). Ou seja, o débito cardíaco é diretamente proporcional ao volume de ejeção e à freqüência cardíaca.


EQUAÇÃO: DC = FC X VOL. SIST.


”O indivíduo em repouso envia aos músculos 20% do débito cardíaco. Esse débito corresponde a cerca de 6 litros de sangue por minuto que o coração contrai e ejeta para o corpo todo, numa frequência de, em média, 80 bpm. Durante o exercício, o músculo pode passar a receber até 88% desse débito, uma vez que a distribuição de sangue precisa ser maior e melhor”, explica Antonio Sérgio Tebexreni, cardiologista da Unifesp e do laboratório Fleury.

Para suprir a demanda, durante o exercício:

- a freqüência cardíaca aumenta
- o volume de ejeção sistólica aumenta
- a diferença artério-venosa aumenta

Durante o exercício, o débito cardíaco aumenta até o seu valor máximo e esse aumento está diretamente relacionado ao VO2. Indivíduos treinados podem chegar a ter um débito cardíaco de 30 litros por minuto, sendo que quanto mais alto for o débito cardíaco máximo, mais alta será a potência aeróbica máxima (VO2 máximo).

A cura ao alcance dos pés
Há uma corrente na cardiologia brasileira que considera a atividade física a mais importante forma de tratamento e recuperação de cardiopatas. Um de seus principais defensores é o cardiologista Tales de Carvalho, coordenador do Programa do Núcleo de Cardiologia e Medicina do Exercício da UESC.

Tales de Carvalho mostrou em sua tese de doutorado, defendida na Faculdade de Medicina da USP, que a redução dos fatores de risco por meio da combinação de corrida ou caminhada acelerada e a adoção de hábitos alimentares saudáveis não apenas salva vidas, mas, também, as prolonga com uma boa dose de qualidade.

Em sua pesquisa, ele acompanhou dois grupos de pacientes com aterosclerose, operados ou não. E constatou que os pacientes do grupo “protegido” pelo tratamento intervencionista (cirurgia, angioplastia coronariana) não apresentaram melhor evolução do que os mantidos sob tratamento clínico (sem intervenção). "Além disso, a redução da mortalidade por causa dos problemas cardíacos reduziu em cerca de 31% sendo que em relação à mortalidade por todas as causas, incluindo câncer, depressão e diabetes foi observada a redução de 27% no grupo tratado por meio do exercício físico (reabilitação cardíaca)” explica Carvalho.

O resultado da pesquisa vai ao encontro de estudo do ministério de saúde norte-americano, que constatou que fazer atividades físicas leves ou moderadas, com duração de 30 minutos, entre cinco a sete dias por semana, diminui a probabilidade de ataque cardíaco em 34%.

A Sociedade Brasileira de Cardiologia defende a adoção de hábitos saudáveis, por meio de alimentação balanceada e de adoção de exercícios físicos, mas não minimiza a importância dos procedimentos cirúrgicos. “No Brasil, as pessoas não fazem exames de rotina e só procuram o médico quando a doença já se manifesta. Então não dá para defender que apenas o exercício físico é suficiente”, afirma o presidente da Sociedade Brasileira de Cardiologia, Felipe Simão.

Posologia da corrida
Antes dos primeiros trotes, cardiopatas ou não precisam do aval médico. “Com base em uma avaliação médica completa, o profissional de saúde dirá a intensidade, duração e o tipo de exercício que o paciente poderá fazer”, afirma o cardiologista Nabil Ghorayeb, coordenador clínico da cardiologia do Sport Check-up do HCor (Hospital do Coração). Já a caminhada está liberada e é recomendada para os que já tiveram ou têm doenças do coração.

Segundo relatório publicado em maio no “Stroke: Journal of the American Heart Association”, qualquer exercício físico aeróbico, regular e com intensidade leve ou moderada ajuda a prevenir doenças cardíacas.

“Para trazer benefícios ao coração, a atividade física deve ter intensidade moderada, entre 60% e 70% do VO2 máximo, com duração média de 30 minutos, de cinco a sete vezes por semana”, explica o cardiologista Nabil Ghorayeb, coordenador clínico da cardiologia do Sport Check-up do Hospital do Coração. “Mas mesmo quem se exercita duas ou três vezes por semana já terá benefícios, mesmo que em menor escala”, completa Tebexreni.

Atlas do coração
O Atlas do Coração, que reúne as últimas pesquisas e dados cardiológicos da população brasileira, elaborado pela Sociedade Brasileira de Cardiologia – SBC, foi lançado no 60º Congresso Brasileiro de Cardiologia, entre os dias 17 e 21 de setembro, em Porto Alegre, RS. A principal pesquisa constatou que 13% da população faz uso diário de bebida alcoólica (a região sudeste tem o maior percentual do país), 83% dos brasileiros são sedentários (no nordeste este índice chega a 93%), 25% fumam e 14% das pessoas apresentaram níveis de triglicérides acima do considerado normal. “São dados alarmantes que comprovam por que o Brasil tem tantas mortes por doenças cardiovasculares, cerca de 300 mil por ano”, explica o diretor-executivo da SBC, Raimundo Marques do Nascimento Neto.

Números “cardíacos”
- Seis milhões de pessoas ao redor do mundo poderiam evitar a morte ou a invalidez causadas por problemas do coração, com a redução de fatores de risco;
- No Brasil, foram registradas 6.919 mil mortes por doenças cardiovasculares em 2004;
- As doenças do coração são a primeira causa de mortes no Brasil, com 35% do total; e devem crescer 28% até 2020, segundo a OMS;
- Em média, 60% das vítimas das doenças cardiovasculares são homens.

Adaptações à corrida
(após 24 semanas de treino regular)

- O coração aumenta de tamanho (cardiomegalia) para melhorar o bombeamento do sangue;
- Diminuem os batimentos cardíacos em repouso. O sistema torna-se mais eficiente e consegue bombear o sangue para o corpo com menos batidas, ou seja, com menos esforço;
- Rápido retorno ao metabolismo basal (repouso), cerca de seis minutos após o término da atividade física;
- Aumento do consumo de oxigênio e das trocas gasosas;
- O metabolismo acelera, aproveitando melhor os nutrientes;
- Previne a obstrução de artérias e veias em razão da maior queima de gordura, que deixa de se acumular

Fonte: 02 por minuto