quinta-feira, 8 de março de 2012

Mulheres com mais de 40 anos divorciadas ou viúvas estão entre as mais vulneráveis à infecção do HIV, alertam especialistas


Agência AIDS
“Lembro-me daquela manhã. Por insistência das amigas, iria a um baile para pessoas mais maduras, uma promoção para a chamada terceira idade, apesar de eu não me considerar parte desse grupo. Tinha perdido meu companheiro de tantos anos havia alguns meses, ainda me sentia enlutada, meus filhos já estavam todos casados e eu ia tocando minha vida repleta de lembranças...”
O começo da história narrada acima é único e pertence à carioca Melina, de 64 anos. Mas a maneira como ela se comportou nessa fase da vida em busca de um novo relacionamento amoroso, assim como o capítulo que ela conta a seguir, é bem parecida com a de muitas outras mulheres de meia idade que se tornam viúvas ou se separam.

“Conheci naquele baile um senhor de cabelos grisalhos, paletó bem cortado e sorriso largo. Com ele, voltei a me sentir desejada, amada e decidi meses depois apresentá-lo para a minha família, mas ele sempre se esquivava. Certo dia, ele disse que viajaria para o interior de São Paulo para resolver problemas familiares. Os dias foram passando, ele não voltava, nem dava notícias. Quando veio o contato (de uma filha), a surpresa: ele havia falecido com aids”.

Melina ficou pasma, se sentiu enganada, pois ele estava em tratamento e nunca havia lhe contado. Ela hesitou, sofreu, mas decidiu fazer o teste de HIV. “Estava me preparando para ir ao laboratório buscar o resultado, quando o telefone tocou. Era exatamente do laboratório, eles me pediam para repetir o exame, uma vez que houvera problemas com a primeira amostra. Naquele momento, sentia que minha vida estava suspensa. Dias depois, o resultado veio positivo”.

A história de Melina ganhou destaque no livro “Sexo e Aids depois dos 50”, do médico infectologista Jean Gorinchteyn, publicado pela editora Ícone em 2010. Responsável pelo Ambulatório de Idosos com HIV/Aids, do Instituto de Infectologia Emílio Ribas em São Paulo, Jean disse à Agência de Notícias da Aids que a maioria das mulheres que hoje estão na meia idade nunca usaram preservativo. “Conheço mulheres muito bem informadas, inclusive professoras universitárias, que já me perguntaram sobre o momento da relação sexual que deve ser usado o preservativo. Não sabiam se usavam nas preliminares, na ejaculação apenas...”, contou.

Essa falta de conhecimento justifica os dados epidemiológicos do Ministério da Saúde. Até 1997, o total de casos de aids notificados entre as mulheres dos 40 aos 49 anos era menor do que entre as mulheres de 35 a 39, mas desde então essa proporção se inverteu.

O boletim nacional de 2011 informa que para cada duas mulheres registradas com aids entre 35 a 39 anos, foram resgistrados três na faixa etária dos 40 aos 49.

Segundo o Ministério da Saúde, das mais de 210 mil mulheres notificadas no País com aids até o ano passado, quase 64 mil têm 40 anos ou mais.

Preocupado com este avanço da epidemia, o Governo Federal escolheu como foco da campanha de prevenção às DST/aids de Carnaval de 2009 as mulheres da meia idade. Com campanhas de comunicação protagonizadas pelo “Bloco da Mulher Madura”, o Departamento de Aids fez um alerta de que 72% das mulheres acima dos 50 anos não usam preservativo nas relações sexuais casuais.

Vulnerabilidade biológica 

O pesquisador e professor da Universidade da Pensilvânia (EUA) Christopher Coleman chamou recentemente a atenção para o aumento dos casos de aids entre as mulheres com mais de 40 anos e recém-divorciadas. Além delas ignorarem o preservativo por não terem medo de engravidar, Christopher afirmou que alterações fisiológicas devido à menopausa provocam um desgaste das paredes vaginais, tornando as mulheres ainda mais suscetíveis a contrair doenças sexualmente transmissíveis.

"Há uma lacuna no conhecimento sobre as mudanças fisiológicas associadas à menopausa. Há muito pouca pesquisa sobre este assunto e a sociedade e os governos não falam sobre isso, mas estes comportamentos sexuais dessas mulheres precisam ser discutidos, pois a taxa de HIV entre elas está aumentando", alertou.

O brasileiro Jean Gorinchteyn explica que com a menopausa há menos lubrificação vaginal e, consequentemente, o ato sexual acaba tendo mais troca de fluídos e até sangramentos. “Esses fatores biológicos acabam sendo uma grande porta de entrada de infecções”, comentou.

Ativistas querem campanhas segmentadas

A advogada Beatriz Pacheco (à direita na foto), de 63 anos, vive em Porto Alegre. Ex-integrante do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas – grupo que reúne mulheres vivendo com HIV e aids de todo o País – Bia se considera hoje uma ativista independente, pois apesar de não fazer mais parte de nenhuma instituição, milita pela causa e ajuda com conversas cotidianas a conscientizar outras mulheres sobre a importância do sexo seguro.

Bia disse à Agência Aids que o seu tema do momento é “justamente a aids entre as velhinhas”. Ela reclama da falta de estudos sobre a influência da aids nas mulheres com mais de 40 anos. “Por mais que a gente grite e esperneie, não há interesse da medicina em pesquisar a saúde das mulheres menos produtivas”, comentou.

A ativista acredita que as mulheres da meia idade além de não terem costume de usar preservativo, pois não se veem como vulneráveis à infecção, não conversam sobre sexualidade. “O sexo para a minha geração é tabu. Este assunto é tratado com se fosse algo feio e errado. Mulheres da minha idade dificilmente perguntariam ao médico sobre métodos preventivos”, comentou.

Bia defende a educação de pares, ou seja, mulheres com mais de 40 anos falando sobre prevenção para outras da mesma faixa etária; e pede a ampliação da distribuição nacional de preservativos femininos e géis lubrificantes.

No Rio de Janeiro, a ativista Maria Aparecida Lemos, de 57 anos, também se dedica a palestras e outros eventos que possam reforçar a vulnerabilidade feminina frente ao HIV. Para ela, a maioria das mulheres ainda precisa descobrir que têm direitos. “Nós, mulheres, podemos sim dizer hoje não tem sexo ou só faço sexo se for com caminha”, enfatizou.

Mas para que essa mudança de comportamento das mulheres ocorra, Cida acredita que é preciso mais campanhas informativas e trabalhos contínuos visando o engajamento feminino.

Conscientização sobre DST/aids no Bolsa Família 

Juny Kraiczyk integra a equipe de coordenação da área de Direitos Humanos, Risco e Vulnerabilidade do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do Ministério da Saúde.

Em entrevista à Agência Aids, ela informou que o governo está usando o Programa Bolsa Família para levar informações e insumos de prevenção às mulheres. “Estamos promovendo oficinas e rodas de conversas sobre educação sexual”, disse.

O Bolsa Família foi criado para apoiar as famílias mais pobres com o objetivo de garantir a elas alimentação, educação e saúde. O programa, cuja maioria dos contempladas são mulheres, atua por meio da transferência de renda e da garantia de acesso a serviços essenciais. Em todo o Brasil, mais de 11 milhões de famílias são atendidas por este programa.

Juny destacou também o apoio do Departamento de Aids à Rede PositHIVa. Coordenado pela organização não governamental Pathfinder do Brasil em 21 municípios, esta rede procura o aprimoramento da qualidade e da integralidade da atenção dos serviços de saúde; a mobilização comunitária para o enfrentamento do estigma e preconceito; e o fortalecimento do protagonismo das pessoas vivendo com HIV e aids na definição de diretrizes e programas governamentais.

Sobre a distribuição nacional de preservativos femininos, o Departamento de Aids informa que desde 2006 já foram disponibilizados em todo o País 8.1 milhão de unidades para ações voltadas a públicos específicos, como profissionais do sexo e outras mulheres em situação de mais vulnerabilidade à infecção do HIV.

“Esta nova geração de camisinhas femininas que estamos distribuindo é mais confortável, pois a lubrificação parece mais adequada e não faz mais o barulho que as primeiras camisinhas femininas faziam”, disse Juny.

Segundo ela, a aceitação ao uso da camisinha está aumentando e, conforme algumas pesquisas, a aprovação por parte das mulheres chega a 50%.

“De qualquer forma, sempre trabalhamos com a ideia de disponibilizar a camisinha masculina junto com a feminina. Os dois insumos não devem ser usados juntos, mas ficam para a escolha do casal”, finalizou.

Lucas Bonanno
Assessoria de Comunicação do Instituto de Infectologia Emílio Rivas
Tel.: (0XX11) 3896-1100 / 1286

Asessoria de Comunicação do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais
Tel.: (0XX61) 3306 7051/ 7033

Cida Lemos é integrante Nacional das Cidadãs PositHIVas
E-mail: lemos.cida@yahoo.com.br