Agência AIDS
“Lembro-me daquela manhã. Por insistência das amigas, iria a um baile para
pessoas mais maduras, uma promoção para a chamada terceira idade, apesar de eu
não me considerar parte desse grupo. Tinha perdido meu companheiro de tantos
anos havia alguns meses, ainda me sentia enlutada, meus filhos já estavam todos
casados e eu ia tocando minha vida repleta de lembranças...”
O começo da história narrada acima é único e pertence à carioca Melina, de 64
anos. Mas a maneira como ela se comportou nessa fase da vida em busca de um
novo relacionamento amoroso, assim como o capítulo que ela conta a seguir, é
bem parecida com a de muitas outras mulheres de meia idade que se tornam viúvas
ou se separam.
“Conheci naquele baile um senhor de cabelos grisalhos, paletó bem cortado e
sorriso largo. Com ele, voltei a me sentir desejada, amada e decidi meses
depois apresentá-lo para a minha família, mas ele sempre se esquivava. Certo
dia, ele disse que viajaria para o interior de São Paulo para resolver
problemas familiares. Os dias foram passando, ele não voltava, nem dava
notícias. Quando veio o contato (de uma filha), a surpresa: ele havia falecido
com aids”.
Melina ficou pasma, se sentiu enganada, pois ele estava em tratamento e nunca
havia lhe contado. Ela hesitou, sofreu, mas decidiu fazer o teste de HIV.
“Estava me preparando para ir ao laboratório buscar o resultado, quando o
telefone tocou. Era exatamente do laboratório, eles me pediam para repetir o
exame, uma vez que houvera problemas com a primeira amostra. Naquele momento,
sentia que minha vida estava suspensa. Dias depois, o resultado veio positivo”.
A história de Melina ganhou destaque no livro “Sexo e Aids depois dos 50”, do
médico infectologista Jean Gorinchteyn, publicado pela editora Ícone em 2010.
Responsável pelo Ambulatório de Idosos com HIV/Aids, do Instituto de
Infectologia Emílio Ribas em São Paulo, Jean disse à Agência de Notícias da
Aids que a maioria das mulheres que hoje estão na meia idade nunca usaram
preservativo. “Conheço mulheres muito bem informadas, inclusive professoras
universitárias, que já me perguntaram sobre o momento da relação sexual que
deve ser usado o preservativo. Não sabiam se usavam nas preliminares, na
ejaculação apenas...”, contou.
Essa falta de conhecimento justifica os dados epidemiológicos do Ministério da
Saúde. Até 1997, o total de casos de aids notificados entre as mulheres dos 40
aos 49 anos era menor do que entre as mulheres de 35 a 39, mas desde então essa
proporção se inverteu.
O boletim nacional de 2011 informa que para cada duas mulheres registradas com
aids entre 35 a 39 anos, foram resgistrados três na faixa etária dos 40 aos 49.
Segundo o Ministério da Saúde, das mais de 210 mil mulheres notificadas no País
com aids até o ano passado, quase 64 mil têm 40 anos ou mais.
Preocupado com este avanço da epidemia, o Governo Federal escolheu como foco da
campanha de prevenção às DST/aids de Carnaval de 2009 as mulheres da meia
idade. Com campanhas de comunicação protagonizadas pelo “Bloco da Mulher
Madura”, o Departamento de Aids fez um alerta de que 72% das
mulheres acima dos 50 anos não usam preservativo nas relações sexuais casuais.
Vulnerabilidade biológica
O pesquisador e professor da Universidade da Pensilvânia (EUA) Christopher
Coleman chamou recentemente a atenção para o aumento dos casos de aids entre as
mulheres com mais de 40 anos e recém-divorciadas. Além delas ignorarem o
preservativo por não terem medo de engravidar, Christopher afirmou que
alterações fisiológicas devido à menopausa provocam um desgaste das paredes
vaginais, tornando as mulheres ainda mais suscetíveis a contrair doenças
sexualmente transmissíveis.
"Há uma lacuna no conhecimento sobre as mudanças fisiológicas associadas à
menopausa. Há muito pouca pesquisa sobre este assunto e a sociedade e os
governos não falam sobre isso, mas estes comportamentos sexuais dessas mulheres
precisam ser discutidos, pois a taxa de HIV entre elas está aumentando",
alertou.
O brasileiro Jean Gorinchteyn explica que com a menopausa há menos lubrificação
vaginal e, consequentemente, o ato sexual acaba tendo mais troca de fluídos e
até sangramentos. “Esses fatores biológicos acabam sendo uma grande porta de
entrada de infecções”, comentou.
Ativistas querem campanhas segmentadas
A advogada Beatriz Pacheco (à direita na foto), de 63 anos, vive em Porto
Alegre. Ex-integrante do Movimento Nacional das Cidadãs PositHIVas – grupo que
reúne mulheres vivendo com
HIV e aids de todo o País – Bia se considera hoje uma ativista independente,
pois apesar de não fazer mais parte de nenhuma instituição, milita pela causa e
ajuda com conversas cotidianas a conscientizar outras mulheres sobre a
importância do sexo seguro.
Bia disse à Agência Aids que o seu tema do momento é “justamente a aids entre
as velhinhas”. Ela reclama da falta de estudos sobre a influência da aids nas
mulheres com mais de 40 anos. “Por mais que a gente grite e esperneie, não há
interesse da medicina em pesquisar a saúde das mulheres menos produtivas”,
comentou.
A ativista acredita que as mulheres da meia idade além de não terem costume de
usar preservativo, pois não se veem como vulneráveis à infecção, não conversam
sobre sexualidade. “O sexo para a minha geração é tabu. Este assunto é tratado
com se fosse algo feio e errado. Mulheres da minha idade dificilmente
perguntariam ao médico sobre métodos preventivos”, comentou.
Bia defende a educação de pares, ou seja, mulheres com mais de 40 anos falando
sobre prevenção para outras da mesma faixa etária; e pede a ampliação da
distribuição nacional de preservativos femininos e géis lubrificantes.
No Rio de Janeiro, a ativista Maria Aparecida Lemos, de 57 anos, também se
dedica a palestras e outros eventos que possam reforçar a vulnerabilidade
feminina frente ao HIV. Para ela, a maioria das mulheres ainda precisa
descobrir que têm direitos. “Nós, mulheres, podemos sim dizer hoje não tem sexo
ou só faço sexo se for com caminha”, enfatizou.
Mas para que essa mudança de comportamento das mulheres ocorra, Cida acredita
que é preciso mais campanhas informativas e trabalhos contínuos visando o
engajamento feminino.
Conscientização sobre DST/aids no Bolsa Família
Juny Kraiczyk integra a equipe de coordenação da área de Direitos Humanos,
Risco e Vulnerabilidade do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais do
Ministério da Saúde.
Em entrevista à Agência Aids, ela informou que o governo está usando o Programa
Bolsa Família para levar informações e insumos de prevenção às mulheres.
“Estamos promovendo oficinas e rodas de conversas sobre educação sexual”,
disse.
O Bolsa Família foi criado para apoiar as famílias mais pobres com o objetivo
de garantir a elas alimentação, educação e saúde. O programa, cuja maioria dos
contempladas são mulheres, atua por meio da transferência de renda e da
garantia de acesso a serviços essenciais. Em todo o Brasil, mais de 11 milhões
de famílias são atendidas por este programa.
Juny destacou também o apoio do Departamento de Aids à Rede PositHIVa.
Coordenado pela organização não governamental Pathfinder do Brasil em 21
municípios, esta rede procura o aprimoramento da qualidade e da integralidade
da atenção dos serviços de saúde; a mobilização comunitária para o
enfrentamento do estigma e preconceito; e o fortalecimento do protagonismo das
pessoas vivendo com HIV e aids na definição de diretrizes e programas
governamentais.
Sobre a distribuição nacional de preservativos femininos, o Departamento de
Aids informa que desde 2006 já foram disponibilizados em todo o País 8.1 milhão
de unidades para ações voltadas a públicos específicos, como profissionais do
sexo e outras mulheres em situação de mais vulnerabilidade à infecção do HIV.
“Esta nova geração de camisinhas femininas que estamos distribuindo é mais
confortável, pois a lubrificação parece mais adequada e não faz mais o barulho
que as primeiras camisinhas femininas faziam”, disse Juny.
Segundo ela, a aceitação ao uso da camisinha está aumentando e, conforme
algumas pesquisas, a aprovação por parte das mulheres chega a 50%.
“De qualquer forma, sempre trabalhamos com a ideia de disponibilizar a
camisinha masculina junto com a feminina. Os dois insumos não devem ser usados
juntos, mas ficam para a escolha do casal”, finalizou.
Lucas Bonanno
Assessoria de Comunicação do Instituto de Infectologia Emílio Rivas
Tel.: (0XX11) 3896-1100 / 1286
Asessoria de Comunicação do Departamento de DST, Aids e Hepatites Virais
Tel.: (0XX61) 3306 7051/ 7033
Cida Lemos é integrante Nacional das Cidadãs PositHIVas
E-mail: lemos.cida@yahoo.com.br